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Lucíola Macêdo lança o livro 'Primo Levi e a poesia'

Com autógrafos neste sábado em BH, a psicanalista e poeta analisa o lugar da produção poética na obra do precursor da literatura de testemunho

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Elaine Martins

Especial para o EM

“Escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro”, afirmou em 1949 o filósofo Theodor Adorno, para quem “isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas”. Essa escrita poética é o que parece mobilizar a psicanalista e poeta Lucíola Macêdo em suas pesquisas sobre a obra do escritor italiano Primo Levi (1919-1987), sobrevivente por onze meses no campo de concentração, precursor e um dos maiores nomes da literatura de testemunho do século 20.


Se o primeiro estudo, “Primo Levi: a escrita do trauma” (Subversos, 2014), finalista do Prêmio Jabuti em 2015, pode ser considerado tratar essencialmente de psicanálise, já se lê ali a ruína traumática que afeta o corpo e o pensamento do escritor reverberando na língua do trauma que, em última instância, é a língua da poesia. Lucíola Macêdo identifica uma necessidade incontrolável de narrar o que se ara nos campos de concentração por Primo Levi que inventa uma maneira de transmitir a experiência do Holocausto, constituindo um “dever de memória” por meio de uma “escrita-lego”. Isso porque o testemunho é diferente da descrição ou demonstração do que aconteceu e, enquanto construção discursiva, jamais dá conta de expressar o acontecimento em sua totalidade. Daí a captura da dimensão poética do testemunho do escritor italiano, em cuja obra, para a autora, o poético se encontra no político e o político no poético.

Em seu novo livro, “Primo Levi e a poesia” (7Letras), a autora extrai do seu primeiro estudo e da própria literatura de Primo Levi a poesia. Ao percorrer a poesia, os escritos e arquivos de Primo Levi, Lucíola Macêdo elucida o lugar simultaneamente extraterritorial e central que a escrita poética ocupa na obra do químico italiano. Na orelha, Newton Bignotto, professor titular de Filosofia da UFMG, afirma que o livro abre novas vias para o o ao trauma das experiências limites que foram vividas por milhões de pessoas em nosso tempo e alarga nossa compreensão de uma região do humano que resiste a outras formas de expressão.

O novo livro também abre para público brasileiro, ainda com o à obra traduzida no país, uma faceta pouco explorada: a da poesia de Primo Levi. Lucíola Macêdo não se limita à antologia de poemas publicada no Brasil “Mil sóis: poemas escolhidos” (Todavia, 2019), ao contrário, perscruta toda a obra de Levi, original e traduzida, e assegura que o poema tem um caráter fundante e uma anterioridade lógica em relação à prosa do escritor, que inseriu poemas como epígrafes de seus livros de prosa.

Do primeiro testemunho, “É isto um homem": “Vós que viveis seguros/ Em vossas casas aquecidas/ Vós que achais voltando à noite/ Comida quente e rostos amigos:// Considerais se isto é um homem,/ Que trabalha na lama/ Que não conhece paz/ Que luta por um naco de pão/ Que morre por um sim ou por um não.” Do testemunho “A trégua” (1973), traz “Wstawa?” [Levanta]: “Sonhávamos nas noites ferozes/ Sonhos densos e violentos/ Sonhados de corpo e alma:/ Voltar; comer; cantar.Então soava breve e abafado/ O comando da aurora:/ “Wstawa?” [...].”

Além da “Carta ao leitor”, o livro constitui-se de seis capítulos que podem ser lidos como ensaios independentes e um posfácio. No primeiro, “Sonho, poesia e política”, a escrita de versos é vista com uma atividade, como um sonho também da política quando se permite escrever o inimaginável. Em “Abertura”, a marca do trauma é lida como matéria da poesia. “A 'coisa nazista’ e `a coisa-coisa`”, a zona cinzenta (formada pela classe híbrida de prisioneiros e funcionários dos campos de concentração) é transformada em conceito e tem as suas raízes poéticas estudadas.

Em “Um pesadelo, um poema”, o murmúrio, o rumor da língua e o eclipse da palavra são lidos nos sonhos e na poesia. Já em “Vórtice”, as leituras de Dante e Ulisses mobilizam o hibridismo da linguagem poética. Por último, “Rastilhos” funciona como um fechamento em que a autora reflete sobre a publicação tardia de Primo Levi no Brasil. O posfácio, “O testemunho, entre o poético e o político”, é um ensaio sobre o romance “K. - Relato de uma busca” (Cosac Naify, 2014) e suas interlocuções com a literatura de testemunho e, por extensão, a do escritor italiano que “forçando a linguagem, de lacuna em lacuna, transmite a catástrofe através do testemunho, das narrativas breves e da poesia”.

Ao invés de demonstrar a impossibilidade da poesia no pós-Auschwitz, o estudo de Lucíola Macêdo abre uma nova forma de pensar a dimensão do testemunho a partir da extração da própria poesia. É, portanto, livro necessário para leitores - iniciantes ou iniciados - de Primo Levi.

ELAINE MARTINS é professora de Estudos de Linguagens e Processos Editoriais do Cefet-MG, mestre em Teoria da Literatura pela UFMG e doutora em Literatura Comparada pela UFMG/Università degli studi di Roma “La Sapienza” (Itália).


Trechos do livro

“Os poemas, tal como os sonhos, acontecem à sua revelia. É ele mesmo quem o diz, como poeta bissexto que se considera, que escrever versos não tem nada a ver com nenhuma outra atividade que conheça, e tal como os cogumelos, os poemas eclodem inesperadamente, onde menos se espera. Diferentemente do testemunho, ‘em primeira pessoa’, a poesia eclode do ‘Es’, de um lado de si próprio que percebe como obscuro, noturno, visceral, e em grande parte inconsciente.”

“Foi mesmo a química quem conduziu Levi à poesia. A conjunção, em sua escrita, entre química e poesia se deu por caminhos incomuns, atravessando o realismo e a materialidade da escrita - princípios que transpostos da química para o poema e para a prosa, conferiram à sua escrita um dos traços de seu estilo. A química como método de escrita se constituiu como letra e metáfora, como quadro e moldura, não através de uma confusão de registros, mas de uma multiplicidade de planos, em cujo movimento se realiza a qualidade literária de seu texto, como também, sua literalidade.”

Sobre a autora

Lucíola Macêdo é psicanalista e escritora. Nascida em Fortaleza (CE), formou-se em psicologia pela UFBA, com mestrado em filosofia e doutorado em estudos psicanalíticos pela UFMG, e mora em Belo Horizonte. É membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.

Publicou ensaios e artigos em diversas revistas e livros de psicanálise, arte, poesia e literatura. Entre os seus livros estão: “Soante” (Scriptum, 2013); “Primo Levi, a escrita do trauma” (Subversos, 2014), livro finalista do Prêmio Jabuti em 2015; “Balões vítreos” (Quixote + Do, 2022), e “Amor e gozo: mais, ainda” (em coautoria com Elisa Alvarenga, Quixote + Do, 2023). 

Reprodução


“Primo Levi e a poesia”
• De Lucíola Macêdo
• Editora 7Letras
• 176 páginas
• R$ 74
• Lançamento neste sábado (7/6), a partir das 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, BH)m coautoria com Elisa Alvarenga, Quixote + Do, 2023).

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