Olho no que você come: interdições no comércio de alimentos crescem em BH
Depois de um ano sem sequer uma multa e com apenas três interdições, 14 estabelecimentos são fechados em BH, um terço após caso associado à morte de idosa
compartilhe
Siga noO número de interdições por irregularidades em estabelecimentos que vendem alimentos em Belo Horizonte disparou em 2025. Em menos de cinco meses, o número de punições aplicadas por irregularidades é mais de 360% superior ao total verificado nos 12 meses de 2024. Em caso de maior gravidade, uma padaria no Bairro Serrano, na Região da Pampulha, foi autuada após três pessoas serem hospitalizadas em um episódio associado ao consumo de alimentos adquiridos de fora da região. Uma delas, uma mulher de 78 anos, morreu.
Foram 14 interdições no setor comercial da capital impostas pela Vigilância Sanitária Municipal até o último dia 20 de maio, contra um total de apenas três anos no ano ado. A média mensal, que era de 0,25 em 2024, subiu mais de 1.000% em 2025, ando para 2,8 neste ano, em um setor que inclui restaurantes, bares, restaurantes, lanchonetes, supermercados e hipermercados. Outro destaque é que há um aumento no número de multas aplicadas no período: 42, em comparação aos 12 meses do ano ado.
Leia Mais
As irregularidades mais comuns que resultarão na suspensão do funcionamento de estabelecimentos são produtos com data de validade vencida, embalagens inadequadas (para a temperatura ideal ou com embalagem danificada), produtos clandestinos, estabelecimentos em condições mais higiênicas e de limpeza e ausência de Alvará Sanitário. O número de atendimentos também é alto. Durante todo o ano de 2024, foram 4.216, ficando atrás apenas da Vigilância Sanitária de BH, enquanto neste ano foram realizadas 2.841 vistorias desde o ano ado, 67,3% do total anterior em menos de cinco meses.
A diretora de Vigilância Sanitária de BH, Zilmara Ribeiro, afirma que o monitoramento de dois estabelecimentos é bastante rotineiro, mas ite que, com a repercussão do envenenamento de três pessoas associado ao consumo de um bolo da padaria Bairro Serrano, no dia 21 de abril, os esforços foram intensificados. Além disso, neste caso, o número de reclamações pode aumentar por parte dos dois consumidores recentes, considera. Das 14 interdições, cinco ocorreram entre 20 de abril e 20 de maio. No mesmo período, foram aplicadas seis multas.
“As pessoas reclamaram mais e, devido àquele episódio, a gente aumentou nosso monitoramento. Pedimos que o município todo fizesse esse monitoramento na área de panificação, e a gente encontrou um número de irregularidades maiores. Como foram também situações mais críticas, tivemos que fazer interdições”, argumenta. “Sempre procuramos trabalhar com caráter mais educativo e preventivo, mas, nesses casos em que encontramos um estabelecimento muito ruim, com alimento fora de temperatura, apresentando sujidades, produto com validade vencida, não tem como não fazer interdição, não tem como não multar, porque são situações graves e que podem comprometer a qualidade do produto ofertado à população”, acrescenta.
Inspeção de rotina ou por denúncia
Segundo a Vigilância Sanitária Municipal, fiscais fazem o monitoramento de boas práticas e liberação do Alvará Sanitário nos 21 mil estabelecimentos na capital. A diretora afirma que a intensificação dos esforços do órgão depende do cenário da cidade. A Vigilância Sanitária não detalhou o número de interdições por regionais, mas informou que a Região Centro-Sul lidera o ranking, seguida das Regiões Nordeste, Barreiro e Pampulha. A hipótese é que os números se concentrem mais nessas regiões devido à maior quantidade de pontos de comércio.
As visitas, realizadas rotineiramente ou motivadas por denúncias, são consideradas imprescindíveis para garantir que as normas de boas práticas, exigidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sejam adotadas. A fiscalização prévia, antes da abertura da empresa, é necessária para a emissão do alvará de funcionamento. A presença de um profissional qualificado na empresa, como um engenheiro de alimentos ou nutricionista, também é crucial para garantir a aplicação contínua dessas exigências, incluindo o treinamento de colaboradores em boas práticas de manipulação de alimentos e controle de temperatura e matéria-prima.
Conforme o órgão municipal, os estabelecimentos devem cumprir a legislação sanitária, já que a higiene do ambiente, incluindo teto, piso e paredes, pode comprometer a qualidade do alimento. Manipuladores de produtos alimentícios também devem estar paramentados com protetores de cabelo, sem boné, esmalte ou anéis. A Vigilância Sanitária informa que, caso o cidadão perceba qualquer irregularidade, as denúncias devem ser registradas pelos canais oficiais de atendimento da Prefeitura de BH, via Portal de Serviços na internet ou pelo telefone 156.
Intoxicação e morte em BH
Depois de ar pouco mais de um mês internada, a aposentada Cleuza Maria de Jesus, de 78 anos, morreu no último dia 27 de maio em decorrência de complicações atribuídas a uma grave intoxicação alimentar, após consumir torta de frango e empada compradas em um estabelecimento no Bairro Serrano, na Região da Pampulha, em BH. A idosa, hospitalizada em 22 de abril, tinha consumido os alimentos no dia anterior com a sobrinha e o namorado dela, que também tiveram de ser internados.
Segundo as investigações sobre o caso, assim que experimentaram os alimentos, os consumidores notaram um gosto estranho e decidiram devolver o que restou ao estabelecimento. Horas depois, o casal Fernanda Isabella de Morais Nogueira, de 23, e José Vitor Carrillo Reis, de 24, começou a apresentar sintomas graves de intoxicação alimentar. Ambos precisaram ser internados em Sete Lagoas, onde moram. Em 28 de abril, foram transferidos para um hospital particular em BH e chegaram a ar três semanas entubados.
Já Cleuza, que inicialmente não apresentou sintomas, teve uma parada respiratória no dia seguinte ao consumo dos produtos. Ela precisou ser reanimada pelo filho antes de ser levada a um hospital particular. Lá, permaneceu internada até morrer. Desde 23 de abril, a padaria em questão está interditada. De acordo com a prefeitura, o local não tinha Alvará Sanitário e sequer havia iniciado o processo de regularização. Além disso, a fiscalização encontrou diversas irregularidades relacionadas à higiene e à estrutura sanitária.
A Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG) informou que exames para botulismo em amostras das pessoas intoxicadas deram negativo. Os testes foram feitos no Instituto Adolfo Lutz (IAL), laboratório de referência nacional para a doença, onde foram analisadas também amostras dos alimentos. Embora familiares das vítimas contestem os resultados negativos, a pasta informou que solicitou a análise de outras neurotoxinas e agentes. O caso é examinado como suspeita de intoxicação alimentar com sintomas compatíveis com neurointoxicação. As investigações seguem em conjunto com a Fundação Ezequiel Dias (Funed), a Polícia Civil, a Vigilância Sanitária de BH e demais órgãos competentes.
O que diz o setor
Para o Sindicato e Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), o caso serve de alerta para consumidores que compram alimentos em estabelecimentos insalubres. De acordo com o presidente da entidade, Vinícius Dantas, a repercussão do suposto caso de intoxicação pode gerar outros questionamentos, como o motivo de pontos de comércio não especializados em panificação atuarem como padarias. Conforme a associação, existem cerca de 1,2 mil padarias em BH e aproximadamente 2 mil em toda a região metropolitana, número considerado baixo, mas há vários outros estabelecimentos que acabam comercializando itens do ramo.
Segundo Dantas, o setor regulamentar está de portas abertas a inspeções e vistorias da Vigilância Sanitária, uma vez que a segurança é importante para toda a sociedade, mas há uma preocupação em relação ao impacto nas vendas com a repercussão do caso ocorrido em BH. No entanto, ele avalia que o monitoramento é fundamental, não apenas para a segurança dos alimentos, mas também para os estabelecimentos crescerem.
Particularmente, essa participação é muito importante. Eu sei muito bem que o número de promotores, às vezes, é tão pequeno que faltam poucas pessoas, principalmente nessas auditorias mais incisivas, porque elas sempre nos focam nas mudanças, no que está acontecendo. O promotor nos ajuda muito a corrigir, pois, ao mesmo tempo, ele está dentro da loja como atendente, como cozinheiro, como vendedor, ou padeiro, e nos ajuda muito a sermos melhores", concluiu.
Perigo na mesa
Segundo a professora de Ciência dos Alimentos Caroline Liboreiro Paiva, docente do curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a fiscalização visa inibir o funcionamento de empresas não autorizadas e prevenir intoxicações alimentares. “Essas irregularidades podem causar intoxicações por microrganismos ou toxinas, levando a problemas que vão desde simples mal-estar, diarreia e vômitos até a morte”, afirma, alertando para o grave risco de consumir queijos não pasteurizados sem a devida supervisão, por exemplo. Cita ainda a possibilidade de contaminação por aflatoxinas (toxinas fúngicas) em alimentos como as amendoins, que podem levar ao câncer de fígado, ou a presença de objetos como resíduos de vidro nos alimentos, que podem causar sangramentos no sistema digestivo.
Siga nosso canal no WhatsApp e receba notícias relevantes para o seu dia
Fique de olho
Como anda a fiscalização ao que você come
21 mil estabelecimentos do setor alimentício a serem fiscalizados em BH
3 interdições e nenhuma multa em todo o ano de 2024
4.216 vistorias nos 12 meses de 2024
14 interdições e 42 multas até o dia 20 de maio de 2025
2.841 vistorias até 20 de maio de 2025
3 internações e 1 morte atribuídas a intoxicação em 2025
Fonte: Vigilância Sanitária de BH