Renata Sorrah mostra todo o seu talento na peça "Ao vivo"
A atriz contracena com o mineiro Rafael Bacelar e a paulista Bianca Manicongo em um espetáculo que trata do amor e a relação mãe e filho
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Siga noSentada na poltrona junto ao corredor, na quinta fileira do Teatro Sesiminas, a atriz e cofundadora do Grupo Galpão, Teuda Bara, gargalhava feito criança. Assistia a uma trupe que, tal qual o Galpão, desenvolve um teatro pautado no rigor, na pesquisa e na busca constante por linguagem: a Companhia Brasileira de Teatro.
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Teuda assistia à peça “Ao vivo (dentro da cabeça de alguém)”, criação coletiva da Companhia com Renata Sorrah, com direção e texto final de Márcio Abreu – que já trabalhou com o Galpão dirigindo o espetáculo “Nós” (2016). A montagem cumpriu curta temporada em Belo Horizonte, com apresentações no último sábado (12/4) e domingo.
Teuda tinha razão para estar fascinada. Logo na cena de abertura, Renata Sorrah demonstrou absoluto domínio de palco ao atuar apenas com o corpo, sem pronunciar uma única palavra. Além dela, o mineiro Rafael Bacelar e a paulista Bianca Manicongo também se destacaram. Um, pela entrega visceral aos personagens que interpreta; a outra, pela voz lancinante nos números musicais.
O próprio título já antecipa a proposta do espetáculo. O que se vê em cena é o fluxo do inconsciente de alguém – alguém que é ator ou atriz, vale dizer. A subjetividade vem à tona em pequenas cenas fragmentadas, como se fossem materializações da memória e da imaginação que habitam a mente do artista.
Essas imagens internas se organizam em dois grandes eixos temáticos da peça: o amor e a relação mãe-filho. É neste segundo que se encontra a cena mais impactante, quando Renata Sorrah e Rafael Bacelar interpretam mãe e filho em um embate emocional e cênico poderoso.
Mantendo paralelo com “A Gaivota”, de Tchékhov, Bacelar dá vida a um jovem dramaturgo em crise; e Sorrah interpreta uma atriz consagrada que se envolve com um homem bem mais jovem. O filho, incapaz de aceitar o relacionamento da mãe – e afundado no fracasso de sua carreira – tenta o suicídio com um tiro na própria cabeça. “Até nisso ele fracassou”, diz a personagem de Renata, enquanto troca o curativo do rapaz, numa fala que mistura sarcasmo e ternura.
São alívios cômicos como esse que impedem “Ao vivo…” de se perder em melancolia ou desespero. Outro momento formidável é quando Bacelar encarna uma drag queen e contracena com áudios reais de sua mãe, que trazem memórias da infância e juventude dele.
“Ao vivo…” é um exemplar do teatro contemporâneo. Há hibridismo de linguagens, interação com o público, narrativas fragmentadas, experimentação cênica e texto metateatral. As marcações de Márcio Abreu são precisas e conferem ritmo e fluidez à montagem.
No entanto, há um deslize que quase põe tudo a perder: em alguns momentos, temas urgentes como identidade, feminismo, racismo e meio ambiente entram na dramaturgia parecendo a repetição de um discurso didático, desses que se vê à exaustão nas redes sociais, subestimando a inteligência do espectador.
É uma pena, porque Abreu, um dos nomes centrais do teatro brasileiro contemporâneo, tem plena capacidade de tecer críticas profundas a partir do corpo, da memória e da angústia sem cair no lugar comum do discurso pedagógico. Basta lembrar que a dramaturgia de “Sem palavras”, assinada com Nadja Naira, que rendeu à dupla os prêmios Shell e APTR em 2023.
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