Leon Myssior
Leon Myssior
Leon Myssior é Arquiteto e Urbanista, sócio da incorporadora CASAMIRADOR, fundador do INSTITUTO CALÇADA e acredita que as cidades são a coisa mais inteligente que a humanidade já criou.
GELEIA URBANA

A Conferência Municipal de Política Urbana e nossa vocação para caranguejo

Quem anda para trás é caranguejo, mas cidades também fazem o o, quando escolhem o debate ideológico ao invés de propostas técnicas

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Nem todos sabem, mas o primeiro Plano Diretor de Belo Horizonte foi aprovado em 1996. Antes dele, houve o plano original da cidade, abarcando o que havia dentro da Avenida do Contorno (e desprezando todo o resto), que durou até 1930, antecipando um período de 21 anos meio ao estilo faroeste, com o surgimento dos bairros periféricos, a partir de loteamentos feitos por particulares, com pouca ou nenhuma infraestrutura e sem controle estatal efetivo.

A Lei nº 232, de 1951, foi a primeira tentativa institucional de criar um serviço permanente de planejamento urbano, definindo o regramento para novos loteamentos, e para as construções na zona urbana. As feições do Centro foram formadas entre este momento e a década de 1970, quando a área central a a ter uma ocupação quase que exclusivamente comercial e empresarial, com a população se estabelecendo nos novos bairros produzidos após as décadas de 1950 e 1960 (são dessa época o Carmo, o Sion, o Anchieta, Serra, São Pedro, Santo Antônio, Santa Lúcia, apenas para ficar na zona sul).

O Plano Diretor de 1996 veio como toda utopia criada em gabinetes e insulada do mundo real: como sinalização de civilidade e a promessa de uma cidade mais bela, mais justa e mais inclusiva. O resultado, 30 anos depois, está aí escancarado, a olhos vistos, como na expressão criada por Edmar Bacha: Belo Horizonte se tornou uma “Belíndia”, uma cidade fictícia onde a Bélgica e a Índia se fundem, onde os cidadãos têm “garantidos” mais direitos que os belgas, mas a entrega e o resultado são mais compatíveis com as piores cidades indianas.

A beleza prometida pelos afastamentos obrigatórios e pelo controle do adensamento se materializaram em lotes subaproveitados, uma cidade espalhada, infraestrutura pulverizada, mobilidade comprometida, prédios muito feios, baixa densidade e transporte público de baixa qualidade. Pior, em imóveis cada vez mais caros, como sempre acontece quando o subaproveitamento dos lotes se soma ao desadensamento.

A culpa não é dos gestores municipais em geral, mas exclusivamente daqueles que desenharam a utopia de 1996, e vieram dobrando a aposta desde então, em cada Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU) realizada ao longo desses anos. A cada revisão, mais restrições, menos densidade, maior o subaproveitamento de cada lote.

Ao longo desse período, o regramento para a realização da Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU) veio sendo alterado pela Prefeitura, de forma a reduzir a participação - e o peso decisório - do setor técnico e do setor empresarial, ampliando a de movimentos sociais, agentes políticos e funcionalismo, através de “grupos organizados” da sociedade civil.

O setor técnico não tem, hoje, capacidade de aprovar qualquer sugestão ou encaminhamento, tal é seu peso perante a plenária (sim, predominam na plenária os movimentos sociais e a “sociedade civil organizada”, seja lá que isso signifique na definição dos parâmetros técnicos necessários ao desenvolvimento de uma cidade).

De fórum técnico amos a ter - mais - uma instância eminentemente ideológica e política, degradando o nível dos debates, das propostas e da própria Lei do Uso do Solo, o produto mais importante da Conferência, e plataforma sobre a qual a cidade se desenvolve nos 4 anos seguintes.

A politização e a manipulação atingiram tal nível, que em Conferências recentes, setores técnicos abandonaram a Conferência pela total impossibilidade de manter o debate num nível minimamente aceitável, coerente e produtivo. Falta de objetividade, de civilidade, de propostas de cunho técnico, sem o mínimo de objetividade, sem políticas mensuráveis, com propostas opacas e obscuras, nitidamente de cunho político-ideológico.

O processo, manipulado e direcionado, teve início, em mais de uma ocasião, com a apresentação, pela Prefeitura, de uma minuta modificativa praticamente pronta, elaborada internamente pelos técnicos da casa, e submetida a alterações de cunho cosmético.

A dinâmica é conhecida: encerrada a Conferência, a minuta vai, praticamente inalterada, para a Câmara Municipal, onde a Prefeitura exibe seus músculos onde o que se busca é, novamente, validar e aprovar aquela minuta anteriormente preparada pela Prefeitura.

E é, dessa forma - e por essa razão - que Belo Horizonte não se desenvolve com a qualidade, a densidade e a vitalidade com a qual poderia se desenvolver. É por isso que Belo Horizonte, ao invés de atrair talentos e cérebros, perde população e negócios para Nova Lima, e é por isso que continuamos não conseguindo realizar o nosso potencial.

O ano que vem, 2026, é ano de uma nova Conferência Municipal de Política Urbana (CMPU), após as desastrosas Conferências de 2014 e 2018. É oportunidade de colocar os pés no chão, olhar para fora, encarar o que deu errado, amadurecer, deixar as utopias de lado e encarar o desafio de recolocar a cidade num trilho de desenvolvimento, crescimento, vitalidade e riqueza.

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Mas isso não poderá acontecer num ambiente onde os técnicos sejam o grupo menos importante e menos influente na sala, perdendo votações para propostas ideológicas comprovadamente ineficientes e vazias. Não há tempo a perder.

NOTA: o Plano Diretor de Londres é desenvolvido exclusivamente por técnicos, numa comissão predominantemente ocupada por profissionais de mercado, que recebem sugestões das lideranças de bairros e outros agentes, e escolhem aceitar e incluir no Plano, ou não.

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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